domingo, 20 de dezembro de 2009

MOVIMENTO SEM-TERRA









Este movimento social, libertário que se alastra pelo Brasil tem uma causa justa, que é a melhor distribuição da terra, porem, muitos tem se aproveitado deste movimento para darem vazão resistência as autoridades, alem de desrespeitarem as autoridades constituídas.

O MST quer o direito a terra, tirando o direito de muitos que legitimamente tem a posse da terra. O governo brasileiro muitas vezes foi fraco ao lidar com este bando, o massacre dos Carajás, foi legítimo, porque a policia estava no cumprimento de exercício legal e foi agredida pelos cangaceiros do bando do MST. Este grupo é chefiado por quadrilheiros com formação ideológica de esquerda e que deveria ser mais firmemente reprimidos.

Algumas universidades de ideologia de esquerda propagam estas idéias e acabam dando uma imagem florida do MST. Estes dias, li uma história “bonitinhas” de luta de uma mulher em meio a este movimento, e não omito em reproduzi-la na íntegra como segue abaixo.

Leia a história abaixo da jovem militante, e veja que em meio a sua luta e sofrimento, ela seguiu as práticas criminosas do MST, este movimento nem mesmo é democrático, pois eles usam da força e da coação para alcançar seus objetivos, como no caso quando eles tiraram uma diretora de uma escola. Eles invadem propriedades privadas e até prédios públicos a pretextos de obterem justiça social.






















Sem respeitar as regras, eles invadiram prédios públicos sob pretexto de fazerem protestos e reivindicações. É pena que a Márcia, protagonista da história abaixo, tenha o MST como razão da sua vida, lugar que deveria caber a Deus. O Brasil é livre e as pessoas podem conquistar propriedades e sucesso na vida sem ter que se juntar as quadrilhas e bandos armados para tomarem a força a propriedade alheia. E pior, estes bandidos usam mulheres e crianças para acamparem para intimidar as forças públicas.

A história da Márcia é bonita, comovente, mas não me convence da imoralidade que é o MST.

Encontrei esta entrevista em um trabalho na internet chamado “entrevista_mst.pdf e como disse, transcreverei na íntegra, não sabendo informar quem é o autor(a) do texto:




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Márcia

















Márcia acolheu-me em sua
casa desde minha primeira visita à
Fazenda Pirituba. Sentada em seu quarto,
cantou e tocou violão. A voz forte falou
com doçura de sua vida pessoal e das
mudanças que ocorreram com sua
entrada no MST. A bandeira vermelha
estava na cabeceira da cama, e a
militância presente em sua vida.
Márcia Mara Ramos é a filha desse casal. A sua foi a primeira e a
última entrevista a ser gravada. A maioria dos nossos encontros se deu na
Fazenda, mas alguns aconteceram em São Paulo, cidade onde está morando
desde seu casamento em 8 de dezembro do último ano. Marcinha, como é
conhecida pela militância do Movimento, foi grande amiga no decorrer de todo
esse trabalho e por isso conversamos muitas vezes sem a presença do
gravador ou da pesquisadora. A entrevista aqui apresentada é um pouco
síntese da filha, amiga, mulher, mãe e militante.
Minha vida hoje é o
William, minha família e o
Movimento Sem Terra. São minha
vida! São a razão pela qual estou
lutando e trabalhando para ajudar a
transformar esse país.
Lembro da minha vida a partir dos 10 anos. Até lembro um pouco de
antes, mas coisas assim muito longe uma da outra. Na minha infância, como
sempre fui muito sozinha, brincava de boneca e gostava de fazer casinha. Teve
um lugar que a gente morou no bairro dos Ferreiras, onde fazia casinha nos
pés de goiabeiras e tinham muitas, ou dentro da carroça embaixo da garagem
da casa, no barracão. Em outros lugares não foi diferente, tinha algumas
amigas que iam brincar comigo, ou eu ia na casa delas, mas sempre para
brincar de casinha, de balanço... Essas eram minhas brincadeiras prediletas.
Foi assim a minha infância, até mais ou menos os 10, 11 anos.
A partir dos 11 anos já comecei ter a experiência de povo brasileiro,
experiência de criança pobre sem oportunidade. Fomos morar perto de Itapeva
e minha vida passou a ser cuidar de casa, porque minha mãe trabalhava na
roça com meu pai e eu cuidava de tudo, lavar roupa, fazer almoço, limpar a
casa...
Meus pais sempre foram de famílias pobres e não puderam ter um
pedaço de terra. Eles sempre trabalharam para um patrão. Sempre teve
alguém que dominava a nossa vida. Então, o que meu pai fazia era o básico
mesmo para viver. A gente nunca teve uma casa para morar, nunca teve uma
terra nossa. Meus pais são pessoas que não tiveram oportunidade de estudar.
Meu pai estudou até a quarta série e minha mãe chegou à segunda série
primária.









Enquanto trabalhadores lutaram muito. Tenho muito orgulho de ser
filha dos meus pais, porque tudo que tenho é resultado do trabalho e do
esforço deles. Desde que me conheço por gente meus pais sempre
trabalharam na roça. Quer dizer, no pesado. Levantando às cinco da manhã e
trabalhando até a tarde. Sem contar os trabalhos de casa, que também é um
esforço a mais para a mulher, dona de casa. Esse dia-a-dia deles é uma das
recordações mais antigas que tenho.
Lembro também que meu pai passava sempre uma tarefa para fazer
depois de chegar da escola. Praticar violão! Ele chegava à ta rde da roça e
queria saber se realmente tinha aprendido. Então umas duas horas por dia
tinha que tocar violão. Não era muito fã disso, não gostava muito, mas fazia.
Chegava a tarde, todos os dias, meu pai, machão, bravo, vinha tomar minha
lição de casa. Precisava mostrar que tinha aprendido, e decorado as músicas.
Isso começou aos sete anos, quando comecei a tocar violão!... Ele foi
supersevero! Muito exigente! Talvez por ser filha única, era muito rígido
comigo... Às vezes eu ficava muito brava com isso... Não era meu forte
aprender a tocar violão, mas como ele queria... E ele tocava, a família toda
tocava...
No fim foi bom!... Mas demorei muitos anos para entender isso.
Primeiro, ele me levava para cantar na cidade. Tinha “Festa do Sorvete” e
alguns festivais, no clube, eu ia lá cantar, e tinha premiação, 1º, 2º e 3º lugar.
Geralmente tirava a maior nota! Depois fui gostando da idéia!.. Mas demorei
um tempo para me adaptar, porque não tinha afinidade com o violão, mas ele
dizia que eu tinha afinidade e deveria aprender.
Para mim, hoje em dia, é importante tocar violão. Para o Movimento
é importante, e é para quem toco mais. Foi bom ter aprendido as músicas.
Aos meus 10 anos lembro muito bem que meu pai trabalhava de
meeiro. Sempre trabalhou assim. E nunca sobrava dinheiro para ter um móvel
bonito em casa, para ter roupas mais novas... Nunca sobrava mesmo!... Eu
sempre ganhava muitas roupas das pessoas.
Aos 11 anos meu pai resolveu, como todo trabalhador sonhador, ir
embora para a cidade, porque achava que não dava mais, que não tinha mais
condições de viver no campo. Pois tudo que fazia era de ameia, e esse
trabalho é um pouco injusto, porque o trabalhador faz tudo manualmente, meu
pai trabalhava com cavalo, arado... Era tudo manual. O que se dividia com o
patrão era apenas a semente. Mas a força de trabalho, que garantia todo o
resultado da plantação, isso não era dividido!
É ignorante da parte desse sistema deixar que os trabalhadores
precisem disso para sobreviver. Então o meu pai foi embora, mas como não
deu certo de ir para a cidade, arrendou uma terra, perto de Itapeva. E a gente
foi para lá. Eu e minha mãe fomos muito contra vontade, porque era um lugar
muito isolado que praticamente não tinha ninguém. Tinha apenas um vizinho
mais ou menos próximo e o resto era muito distante.




Lá sofremos muito também. Porque não saiu daquela rotina,
trabalhava com patrão, do mesmo jeito. Tinha um patrão... tinha um dono da
terra! A gente não tinha a liberdade de dizer: essa terra é nossa! Nunca teve
essa liberdade, porque sabia que não era. E que não podia decidir as coisas
por lá.
Por isso, praticamente me criei sozinha. Na minha adolescência não
tive possibilidade de ficar com outros da minha idade. Por isso não pude ter
aquela coisa de me divertir, de ir para um baile... Meu pai tinha uma
resistência. Ele é uma pessoa humilde, mas bem... conservadora.
Trabalhamos nessa área por três anos, em média. Aí surgiu a
oportunidade de vir para cá, para o assentamento. Meu pai não tinha muita
vontade na época. Mas sempre sonhei em estar no meio da minha família, de
voltar a morar perto da minha avó, dos meus tios. E todos eles já moravam
aqui. Inclusive meu avô, e os meus tios Jamil e Zezinho foram em casa chamar
minha família para vir para cá. Aí a gente veio! Para mim foi um sonho! Vir
morar no meio de tanta gente! Coisa que nunca tinha acontecido comigo.
Nessa época tinha completado 13 anos.
Então a gente foi morar na agrovila III, que já estavam as casinhas
organizadas, naquela parte de baixo, onde tem as igrejas e a escola, não da
forma que está hoje. Era mais precário.
A nossa ida para o assentamento foi porque a gente cansou de ficar
nesse bairro super isolado, onde morava. Não tinha vizinho, nem amigo, era
tudo longe, era perto do asfalto, mas desse lado do Ribeirão Branco tem muito
eucalipto e ficava no meio deles. Agora cortaram um pouco, mas naquela
época era um plantio, para vender a madeira. Então a gente via os caminhões
na estrada que iam buscar a madeira, durante o dia. Durante a noite era muito
no meio do mato, isolado. Então minha mãe e eu sempre ficávamos sozinhas,
porque meu pai saía bastante. E a gente foi se cansando disso, só trabalhava...
e não podia sair para não deixar a casa, mas podia ficar lá sozinha... nunca
avaliamos isso...
Então tinha proposta de ir morar ou em Tatuí, ou na área III com
meus avós, e nós optamos por morar com meus avós. Meu pai queria muito ir
para Tatuí e, mesmo depois que viemos para o assentamento, ficou mais ou
menos um mês em Tatuí, trabalhando numa cerâmica, para ver se ele se
acostumava e se a gente resolvia ir embora. Mas não abrimos mão, ficamos na
III!
Foi mais ou menos assim a decisão de ir, porque a gente acreditava
que podia ajudar o meu vô, que estava supervelho e já de idade não poderia
estar trabalhando na roça, não estava agüentando. Meu pai passou então a
assumir o trabalho de meu avô, e nessa época ainda não era cooperativa. Mas
já existia um espírito de cooperação. Era uma associação, plantio em grupos,
não tinha o módulo completo da terra, devia ter uns dois alqueires de terra.
Durante esse processo foi acontecendo as ocupações na Fazenda Bergamini,
e depois de dez anos é que foi liberada a terra. E meu pai participou de toda
essa trajetória, depois que a gente chegou. Já fazia um ano mais ou menos
que eles estavam lá. Não era mais um acampamento, mas ainda era um
assentamento emergencial. Isso em 1986, mas os módulos completos de cada
lote demorou um tempo.
Por isso, mesmo depois que chegou no assentamento, a gente
participou de acampamentos, porque cada ocupação que fazia, o povo todo
acampava. Ficava um pessoal nas casas, mas boa parte do assentamento ia
para o acampamento. Porque era a conquista da nossa terra. Isso tudo durou
10 anos, depois da nossa chegada, nove anos.
Desde o começo as pessoas se organizaram em coletivos de
trabalho. Não sei dizer quem começou com isso, porque desde o
acampamento da área III tudo era coletivo. A referência que se tinha era a área
I, onde trabalhavam de forma coletiva. Como lá era associação na III passou a
ser também. Só que continuou, enquanto a área I teve alguns problemas, e
muitos resolveram trabalhar as terras individualmente. A área III foi se
organizando melhor para não se ter individuais no começo... demorou para
saírem individuais. Todo mundo era coletivo. No começo ninguém era
individual!... Eram grupos de trabalho, mais ou menos como os setores
organizados hoje, mas cumpriam mais a função de reuniões, para ter um
controle se todos estavam trabalhando, se não tinha propostas de mudanças.
Depois de uns dois anos é que começou a sair um grupo para individual, aí foi
saindo, saindo... E como tinham pessoas que foram ficando descontentes com
uma coisa ou outra... porque no coletivo tem gente de todo o tipo. Sempre teve
gente que não se acostumou trabalhar no coletivo, preferia ter sua casinha no
meio do mato, longe de todo mundo...
Meu pai participou do processo de convencimento das pessoas para
formar a cooperativa. Era uma das pessoas que fazia parte da coordenação,
porque se formou um núcleo para discutir a cooperativa, convencer quem ia
entrar, quem não ia. Tinha toda uma proposta, vinha gente de outros estados
para discutir a importância das formas de cooperação. Por que tinha que
formar a cooperativa?... Então teve esse processo todo! A partir disso houve o
laboratório da discussão de campo, em que se estruturou a idéia da
cooperativa.
Mesmo a escolha do nome da cooperativa Copava foi um processo
bem coletivo, surgiram muitos nomes. Cada grupo levantou possíveis nomes e
na votação fizeram a defesa de cada um. Quando chegou a vez da Copava,
Cooperativa Vó Aparecida, todos acharam que tinha que ser esse nome.
Vó Aparecida era uma senhora, bem velhinha, que gostava e rezava
para todo mundo, a vó de todo mundo. Era vó do Serginho, mãe da madrinha
Zica. Ela morava no assentamento com a filha. Era uma pessoa muito querida.
Ela rezava muito para a Copava, para a gente se acertar, se entender, para
construir a cooperativa... e bem nesse período ela morreu.
Para minha mãe também foi muito bom, a gente começou a
participar da comunidade, da igreja. Passamos a conhecer pessoas novas. E
conhecer uma organização assim tão importante como é o Movimento Sem
Terra hoje... Nossa! Para mim foi motivo de muita mística, de muita garra e
resistência, para estar aqui hoje.
Através disso foi trabalhando... Um dia a gente formou um grupo de
adolescentes, aqui no assentamento. Como tinha 13 anos, não conhecia muito
as idéias, os objetivos do Movimento Sem Terra, porque não estudava essa
parte, não conhecia os materiais do Movimento. Até tinha aquela mística e
dizia: eu sou Sem Terra! Mas não conhecia o que é mesmo o Movimento de
maneira mais ampla. Mas mesmo assim a gente trabalhava muito a parte da
igreja católica que tinha aqui. Ia em encontro de adolescentes, e o grupo que a
gente formou era bem forte. Depois que fui crescendo virou um grupo de
jovens. Lá que... arrumei um namorado, e casei, mas era muito nova, tinha 16
anos e não deu certo. Sofri muito, me senti explorada pelo machismo do
homem.
Então o que posso dizer do meu casamento é que sobrou o William,
que convive com a minha mãe, ela é quem cuida dele. É uma mãezona para
nós dois. Ele sabe que sou a mãe dele, sabe que tem pai. Mas sabe também
que é a minha mãe que fica com ele durante o dia, porque tenho que trabalhar.
Trabalho para o Movimento Sem Terra, pois também dependo de dinheiro para
poder mantê-lo. Gosto do que faço, dificilmente paro em casa. Meus pais
também me ajudam muito, porque se estivesse com o William de cima para
baixo não sei o que seria. Com certeza seria mais difícil para mim, porque sem
dinheiro nada é fácil. Mas essa parte está indo bem.
O meu casamento é uma coisa que até evito de estar falando.
Porque me deixou marcas muito constrangedoras. Dessa época, costumo dizer
assim: quando tinha 16 anos não tinha muita consciência de o que era uma
vida, porque nunca tinha trabalhado. Trabalhar de suar e pegar no pesado, ir
para a roça. Não sabia o que era sustentar um filho, coisa que hoje, sei. Como
sou filha única, meus pais sempre deram todo o carinho e amor. Também só
conhecia a vida de solteira, não sabia como seria a vida de casada. Mas isso
só não justifica as coisas que não deram certo. O motivo foi assim... O meu
casamento foi muita tortura, porque meu ex-marido me maltratava muito, de me
bater mesmo. Era uma pessoa inconsciente, que me proibia de tudo, inclusive
de tocar violão, que é uma coisa que gosto. Também não me deixava participar
de atividades... se participava, quando chegava em casa já sabia que o bicho ia
pegar... Eu era uma outra pessoa... totalmente diferente... digo que não me
reconheço, porque se isso fosse hoje não iria acontecer, não ia aceitar essa
subordinação total. Agüentei isso por dois anos.
Acredito que a gente tem que brigar por algo melhor, contra esse
sistema capitalista que está aí, brigar com o governo por melhores condições,
não entre homens e mulheres. Entre nós todos, temos que nos unir...
Agora se perguntar e o casamento? Hoje penso que se ele não dá
certo, a gente tem que se separar. Para mim, também naquela época, era um
pouco isso, mas minha família é bastante conservadora, muito religiosa... e tem
aquela coisa “o que Deus uniu, o homem não separa”... Mas consegui vencer
essa parte da minha vida, porque foi através dessa separação que consegui o
meu espaço de mulher, dentro do Movimento Sem Terra e dentro da
sociedade. Agora trabalho num movimento onde homens e mulheres lutam
juntos, buscando o direito igualitário. Esse é um dos grandes objetivos do
Movimento Sem Terra, o direito do homem e da mulher, porque ninguém é
melhor que o outro. Todos somos “machistas”, todo mundo tem um pouco de
machismo, até mesmo as mulheres, mas isso a gente tem que ir rompendo
através da nossa organização.
Mas, como disse, do meu casamento tem uma coisa muito especial,
que é o William, que está aí com a gente. Minha vida hoje é o William, minha
família e o Movimento Sem Terra. São minha vida! São a razão pela qual estou
lutando e trabalhando para ajudar a transformar esse país.
A gente teve quatro fases de casas aqui na área III. No início era
tudo de lona, era uma coisa muito gostosa, porque para a gente que vivia no
acampamento era gratificante. É embaixo das lonas que se dá o amor pela
luta, pela terra que a gente conquistou. É assim que aprendemos a ver que só
tem a casa porque lutou. Mesmo a casa de lona, porque o barraco é chamado
de casa. As pessoas falam:
- Ah! Vamos na minha casa!
Tem muito dessa coisa entre as famílias. Isso porque sabe que a
casa é da gente, seja ela de lona, seja do que for. É da gente! Que está ali e
que ninguém vai tirar a gente dali. Isso é muito importante para o trabalhador!
Depois dessa casa de lona, teve a outra fase, quando mudamos.
Para nós foi um crescimento e tanto, quando conseguimos construir uma casa
de costaneira e papelite, foi um sonho! Nossa, meu Deus!! Sabe, um ia
conhecer a casa do outro, aquela brincadeira. A meninada toda animada de
estar conhecendo as casas dos amigos.
- Olha a casa de fulano ficou grande, é que a família dele é maior.
Na terceira fase já tinham os lotes divididos. Morava tudo pertinho.
Nos lotes já havia plantação de laranja, porque a gente dava atenção a isso,
assim fizemos nossas casas de madeira. Casa de madeira com piso! Piso
rústico, piso queimado, vermelho, amarelo... mas era piso! Coisa que nunca
tinha tido. Para nós foi outro passo muito avançado.
Quando compramos as primeiras vacas no assentamento, o primeiro
gado, foi uma festa imensa! Porque com o nosso suor conseguimos a primeira
vaca para dar leite para as famílias e seus filhos. Antes compravam, ou
recebiam de doações, quando não tinham dinheiro. Para nós foi uma alegria
enorme! Uma festa no assentamento! Isso é a mística. Quando a gente fala em
mística, é o que dá vida e força e garante a nossa coragem de estar nessa luta
hoje.
Tudo isso para a gente era uma festa. Até que surgiu esse projeto
das casas de alvenaria, que foram construídas em mutirão pelas famílias e que
também foram motivo de comemoração. Na inauguração foi feito uma
churrascada. Era uma festa mais ampla, que comemoravam resultados do
nosso trabalho. A gente estava convicto de que essa luta era verdadeira,
sincera. Que não era aquilo que a mídia coloca para a sociedade. E é isso que
a gente sonha e luta. para que outras famílias possam ter. Aqui a gente tem a
casa, tem os maquinários, tem a mercearia, tem a pecuária, tem apicultura,
enfim tem as lavouras da agricultura como soja, milho, arroz, feijão. Temos
grandes campos, que são nossos. Cada família tem hoje sete alqueires de
terra.
Mas a gente sabe que é através da luta que conseguimos tudo isso.
Se o povo parar de lutar, futuramente pode até perder isso. Então a gente luta,
não só para o pessoal daqui, mas também para que outras pessoas possam,
se engajando, possam conquistar espaço nessa sociedade.
Exemplo disso é esse pessoal. Se olhar esse povo que está aqui
hoje, era o povo que não tinha oportunidade, era um povo excluído, que não
tinha terra, que não tinha casa e nem comida. Agora é um povo que tem tudo
isso, tem terra, tem comida e tem oportunidade para estudar. E sabem que
podem intervir na construção de um novo projeto, de uma nova história, de um
novo país. E isso para nós é muito importante. E ser do Movimento Sem Terra
é muito gratificante.
Hoje, conheço bem os objetivos do Movimento, naquela época não
conhecia, era uma apaixonada pelo movimento! Já era apaixonada por ele,
mesmo não conhecendo direito. E agora, a cada dia me convenço mais de que
é essa luta que nós temos que tocar em frente. Temos que fazer parcerias com
a sociedade, com as universidades, com a igreja, com outros movimentos
sociais e com os sindicatos. Isso para construir uma idéia diferente para o
nosso país.
Esse povo que conhecemos, esse povo brasileiro, que tem as
maiores riquezas, que foram privatizadas, esse povo tem tudo para mudar esse
país. Tem toda a força, basta ter a consciência e a coragem de se organizar
para mudar. Transformar o Brasil nesse país nação que nós sonhamos. Tirar
essa colônia que está implantada e realmente ser o Brasil para os brasileiros.
Isso é o fundamental para o nosso país. É uma idéia que a gente sonha e que
lutando junto futuramente pode ter.
Por exemplo, essa luta por uma educação e uma vida dignas é para
ajudar outras pessoas a ter um pouco do que o William tem hoje. Ele tem muito
amor, tem o carinho da gente, tem uma vida diferente, que eu não tive! Quando
era pequena, se queria comprar alguma coisa em casa tinha que ver o
dinheiro, como ia fazer, se dava para comprar. Isso porque era filha única!
Daquela época, uns vinte e poucos anos para cá, mudou muita coisa. Quer
dizer, a gente tem, porque lutou. Isso tenho sempre presente, se sou uma outra
pessoa foi porque lutei com a ajuda dos meus pais e do pessoal do Movimento.
A minha entrada para o Movimento foi uma resistência muito grande.
Queria entrar, mas foi uma coisa difícil, porque não ganhava nada. É um
trabalho que sabe que pode dar resultado, mas também temos necessidades
básicas, como o sabonete, o creme dental, que o Movimento às vezes não
pode garantir!...
Sempre participei das coisas do assentamento, das ocupações.
Nesse sentido, já era do MST, mas não tinha um vínculo maior com a
instituição como um todo, de conhecer os objetivos, ou como funcionava o
Movimento... Meu envolvimento maior foi nas ocupações da região, por
exemplo das áreas IV, V e VI, ia lá e ficava junto com eles, resistindo. Depois
vim para São Paulo, em ocupações de prédios públicos, e participei de uma
marcha no ano de 1996, que foi o que me inseriu mais na militância. Depois
disso fiz o primeiro curso básico de militantes do MST do Estado de São Paulo.
Com isso passei a realizar tarefas na Regional, no estado, e me envolvi no
setor de educação, fiz escola de formação de formadores em Santa Catarina e
fui para o Rio Grande do Sul, no Iterra.
Sempre fui liberada pela cooperativa para trabalhar junto ao
movimento. A gente fez uma discussão dentro da cooperativa para a liberação.
Quando estava estudando, no Iterra, no tempo que estava na escola, não
ganhava nada, e quando voltava era liberada para trabalhar no MST. Essa foi
uma discussão feita com os demais estudantes também, ninguém ganhava
nada enquanto estava estudando.
Claro que tem pessoas que têm resistência ao trabalho, acham que
a gente não faz nada, mas isso através de uma luta foi superando dentro da
cooperativa. Vivemos num processo constante de não liberação, mas por
pessoas que não acreditam muito no trabalho. Havia uma desconfiança. Mas
nunca liguei para essas picuinhas, porque eram uma ou duas pessoas que não
acreditavam, porque os demais acreditam e isso é que é importante! A gente
fazia discussão e eles sabiam o que estava fazendo. E não era só eu liberada,
o Zezinho também era... Então estava trabalhando para o MST no setor de
educação e no movimento como um todo.
No coletivo de educação fazíamos um trabalho conjunto com o
objetivo de impulsionar a questão do direito à educação de qualidade dos
trabalhadores. E foi isso que a gente fez em Itapeva, na escola de Engenheiro
Maia. Havia uma necessidade de lutar por este direito dentro da escola, porque
existia um preconceito da direção em relação às crianças do assentamento. E
a maior parte dos educandos da escola são filhos e filhas de assentados, e os
demais são pequenos agricultores, ou moradores do bairro vizinho. Então tinha
a necessidade de lutar, e foi importante esse passo que a gente deu
coletivamente, porque os educandos adquiriram um jeito de se organizar e
assumiram esse comando de questionar quando vêem alguma coisa errada
dentro da escola, brigarem e exigirem os direitos deles. A diretora era terrível,
mas foi tirada através da força da comunidade, que fez uma solicitação para
que ela saísse. E a nova diretora é bem diferente, a gente pediu a entrada dela.
Participava também das reuniões da coordenação. Passei um
período quase sem tempo de ficar em casa. Estava bem dificultoso a minha
vida, no sentido de muito trabalho. Nem conseguia voltar para dar uma
resposta para a cooperativa. Isso me agoniou bastante, porque precisava dar
essa resposta, até para eu ter uma realização pessoal... e isso dificultou
bastante meu dia-a-dia. Ficava naquela, as pessoas estão desconfiadas do que
eu faço... várias vezes a gente conversou e perguntamos: se vocês querem
que a gente pare, a gente pára. Foi mais ou menos assim... Mas sempre tive
claro para mim que nunca ia sair do Movimento porque a cooperativa queria.
Não ia fazer isso.
Nesse sentido, a cooperativa ainda liberava diretamente para o
Movimento Sem Terra, eu – que trabalho no setor de educação estadual – e o
Zezinho – que trabalha na direção e cooperativa regional. E são essas as
formas de se continuar a luta. A idéia é que cada pólo de cooperação libere
alguém para estar dando continuidade à luta. Essa é uma maneira de ajudar
outros acampamentos. E é assim que se forma a direção regional, estadual e
nacional.
Estamos tentando trabalhar idéias novas, ainda não conseguimos
avançar tanto, mas a gente está tentando, e essa forma cooperada é como a
gente trabalha aqui. Na Fazenda Pirituba são seis assentamentos e várias
cooperativas, cada assentamento tem pelo menos uma. Aqui na área III são
duas. Tem ainda a regional que trabalha com todas as cooperativas da região
do assentamento. E tem a CA - Central de Assentados - que trabalha todas as
cooperativas regionais.
O Movimento tem várias formas de trabalho, uma delas é a
cooperação e nós da área III optamos pela cooperativa. Como disse na área III
tem duas funcionando, a Copava - Cooperativa de Produção Agropecuária Vó
Aparecida - da qual sou sócia e uma outra, a Copaesse, da qual não lembro o
significado do “esse”. Isso porque quando se formou a Copava, ficou um povo
que não quis entrar na cooperativa, essa parte fez uma associação, não sei
bem por que não podia continuar como associação e teve que se tornar uma
cooperativa. Tem a mesma forma de trabalho coletivo que já tinham, mas
agora é uma cooperativa.
Nas cooperativas tem vários tipos de organização, na Copava
optamos por hora trabalhada. Então a gente recebe por hora. Cada família tem
sete alqueires, mas a gente resolveu dar espaço para os jovens e as mulheres.
Então as mulheres estão incluídas nesse processo de trabalho. Já fomos 46
sócios, 25 famílias, mas agora somos por volta de 62 associados. Tem famílias
que têm três pessoas da casa trabalhando, por exemplo na minha tem duas,
meu pai e eu.
Tem os setores de trabalho, em que um faz para todo mundo. Quer
dizer, o setor de máquina faz o trabalho na agricultura, as terras... mas está
fazendo para o coletivo todo. A administração administra para todo mundo. O
setor de pecuária que cuida das vacas e tira o leite para todos. Mas são muitos
setores, tem também o da construção, que fez todas essas casas, e ninguém
sabia qual era a casa de quem, só depois de todas prontas é que foi sorteada.
Ninguém podia falar “essa casa é minha”. Então todo mundo faz para todo
mundo! Tudo é nosso! A gente pensa uma coisa coletiva, e não dividida,
porque essa é a nossa idéia do Movimento Sem Terra. De não ser melhor que
ninguém, mas de ser igual, ter trabalhos iguais, salários iguais. Tem também
que ver o tamanho da família. Porque algumas famílias são maiores que a
nossa. E é importante pensar, que dá para lutar junto e construir uma coisa
diferente. É o que a gente fez aqui!
A agricultura como um todo está passando por um mau momento.
Então é claro que a cooperativa tem enfrentado dificuldades também, assim
estamos pensando em novas formas de cooperação. Por exemplo, o tanto de
terra que é disponibilizado para produção por cada sócio não tem sido levado
em conta para o cálculo de quanto ele deve receber da cooperativa. Esse é um
dos questionamentos que são feitos e não foi superado ainda... Agora está
tendo toda uma discussão sobre o novo jeito de se organizar, como a idéia da
comuna da terra, proposta de uma nova forma de organizar o assentamento.
Mas além dos problemas que a agricultura está passando, tivemos
contratempos com um administrador oportunista, o Serrinha. Ele usou o
Movimento para o bem próprio. Hoje, praticamente é um explorador, porque
saiu individual e levou gente com ele. Explora essas pessoas plantando na
terra delas, porque saíram sem condições. Além disso, agora é funcionário do
Itesp, através da falsificação de um documento. Falsificou a assinatura de um
povo do assentamento sem eles saberem, e conseguiu ser a referência dos
assentados. Chegou a ser da direção do MST estadual, mas foi expulso. Para
ver como as pessoas se formam!... Politicamente se formou para se
oportunizar desse conhecimento contra os trabalhadores...
Por isso na Copava o pessoal ficou bem magoado com o que ele
fez. O nosso problema hoje na cooperativa é má administração dele. Ele não
se preocupava com a cooperativa, porque tinha a intenção de sair, há muito
tempo, só que não falava. Se apropriou do cargo de presidente da Copava que
era o que sempre quis ser e realmente colocou uma série de coisas em
desequilíbrio, na parte financeira, na de projetos, na agricultura, e
principalmente nos financiamentos. Fez um monte sem discussão nas
assembléias. E são esses financiamentos que estão barrando o
desenvolvimento da cooperativa. Não consegue pagar, porque a lavoura dá
muito pouquinho, e isso também impede de se pegar o seguro. E aí, para
pagar o financiamento, os sócios ficam sem nada e continuam devendo.
Através do Movimento conseguimos prorrogar nossas dívidas e
tentar novos financiamentos. O MST é que pede a prorrogação, que vai no
banco, tem um setor responsável para isso. O Itesp é aquele que dá o recado.
Como a gente não tem carro para chegar antes deles, eles vão e falam:
prorrogaram tal dívida! Eles vão contar para os assentados o que a gente fez.
Outra dificuldade na cooperativa é o esquema de horas trabalhadas.
O máximo que podia trabalhar por dia eram oito horas, mesmo que trabalhasse
mais, o limite para receber eram oito horas, se não o sócio estoura nas horas e
recebe muito mais que todos, e a idéia não era essa. Mas em geral quem
trabalhava mais eram as pessoas da pecuária de leite, ou os liberados como eu
que entrava na média das oito horas. Mesmo que trabalhasse 10, 20 horas
recebia a mesma coisa... Mas isso foi suspenso na administração do Serginho,
por causa das dívidas.
Como a cooperativa não tinha dinheiro, precisava de uma alternativa
para o pagamento dos sócios. O pessoal precisava de um adiantamento para
comprar as coisas de mercado, o básico. E foi a partir da necessidade de
comprar coisas para a casa que surgiu a idéia do vale. Os sócios recebiam 100
reais em vale para fazer as compras no mercado. O vale ajudou a se ter no
mercado um controle de vendas. Foi uma forma de ter um equilíbrio de quanto
a pessoa gastava. Tinha o limite X e não venderia sem o vale também, para
não vender fiado. Isso porque no passado houve um descontrole de venda, foi
vendido muito fiado, e por isso quase fechamos o mercado. Tem muita dívida
ainda, principalmente dos individuais... Porque tinha uma coisa de confiança,
como eram pessoas dos assentamentos, a gente confiava em vender. Só que
na verdade, eles se oportunizaram disso para não pagar suas dívidas...
Aconteceu isso!...
O surgimento do mercado foi porque as pessoas achavam
importante ter um mercado para vender pelo menos o básico. Mas aí, havia
algo que travava na administração anterior, a do Serrinha, e com a saída dele a
idéia deslanchou, foi fomentando mais, foi construindo.... Porque já existia o
espaço e o barracão, foram só fechando os lados, e construíram o mercado.
Porque as pessoas tinham que comprar na cidade, e para ir não é simples, tem
que ter dinheiro, pegar ônibus e perde um dia todo... Então foi essa idéia.
Na verdade a primeira coisa foi uma pequena mercearia, e dela
surgiu a idéia de fazer um mercado maior, para atender os assentados, a
região toda. Mas não consegue atender mais, porque não consegue ter
mercadoria suficiente. Hoje a idéia é manter os assentados da área III. Vende
coisas para as pessoas, mas não para comprar em grandes quantidades.
Porque o povo do campo tem mania de fazer compras grandes, comprar fardos
de coisas, para passar um tempo... E não dá para atender por questões
financeiras, estamos tentando estruturar, aos poucos. Devido às muitas
dívidas, a gente teve que dar um jeito no pagamento, porque isso tem um
custo.
Infra-estrutura que a cooperativa tem de comércio é o bar e o
mercado. Mas tem também o barracão com as máquinas, tem uma
colheitadeira de feijão, uma de trigo, uma subsoladora... tem bastante coisa lá.
Sei de todos esses problemas da cooperativa, mas acho que a
opinião do meu pai, por exemplo, ele faz algumas críticas em relação à
estrutura, não física, mas orgânica da cooperativa, no sentido de que as coisas
deviam ser mais transparentes. Acho mesmo que faltou transparência em
algumas coisas, o que gerou toda essa problemática. Esse é o ponto que a
gente concorda!... Mas a minha maior discordância, é porque meu pai foi uma
liderança, uma pessoa que incentivou as pessoas a entrarem na cooperativa, e
hoje não está preocupado em fazer com que as pessoas reflitam e pensem
uma nova saída, um jeito de se organizar. Está preocupado com ele, com a
vida dele. Mas não é o único que está com problemas, o coletivo está com
problemas. Se abandonasse a cooperativa estaria deixando o compromisso
que tem com o coletivo, de manter esse coletivo, porque tem a
responsabilidade de ter motivado essas pessoas a estar na cooperativa. Acho
que é uma visão individualista, de resolver o seu problema e não o de todos, e
não é a saída.
E isso não é um problema de cooperativa, é um problema mundial,
e, enquanto a gente não formar as pessoas para a coletividade, não vai dar
certo, porque cada um pensa que é do seu jeito. Tem que se unir, caso
contrário, não vai resolver o problema da sociedade. Acho que meu pai está
pensando muito pequeno, o olhar dele está focando ele só, o mundo e a terra
dele. E dentro do Movimento Sem Terra a gente pensa muito maior, não pensa
simplesmente em nós. Tem esse espírito internacionalista, solidário, da
coletividade, da busca de alternativas de um país diferente. Ele não está
conseguindo ver o todo.
Acho que parte disso é porque o homem está acostumado a ser,
buscar e decidir para ele. Ele não decide para a família. Acha que decide para
a família, mas está decidindo para si! E aí está a nossa discordância dentro de
casa. Porque a mulher, acho que tem mais esse dom de pensar para a família
e o homem não. Pensa que se está bem para ele, está bem para a família. A
mulher já quer que esteja bem para “a gente”, quer que esteja bem para o
marido, para o filho, para todo mundo.
Com isso acaba valorizando pequenas coisas, por exemplo, hoje
tem água em casa. Quem vê isso? Minha mãe. Meu pai não enxerga que antes
a gente buscava água e lavava a roupa no rio, ficava dentro da água lavando
roupa. Trazia baldes e baldes na cabeça, subindo aqueles caminhos que não
tinham fim mais, para tomar banho, lavar louça, fazer tudo dentro de casa.
Ele só consegue enxergar as dificuldades com a lavoura, não vê as
conquistas, como ter uma casa para morar. Antes só morava no que era dos
outros.... pode não ser do jeito que a gente queria, mas estamos lutando para
ter alguma coisa. E já tem o espaço da gente, tem energia elétrica, que foi um
luta do coletivo, como tudo! E essas coisas precisam ser valorizadas, por
mínimas que pareçam!
De ver a facilidade do William poder ir na escola pertinho e ter
transporte na porta de casa. A gente nunca morou perto de uma escola, nunca
morou perto de onde tinha ônibus, sempre moramos isolados das pessoas.
Talvez seja isso que meu pai goste... mas vejo uma contradição, porque
sempre gostou de estar no meio do povo!...
Outra coisa é a natureza humana, que não tem como mudar. Meu
pai discorda muito com as pessoas, e acho que não tem que ser assim. Tem
que aprender a ouvir. E isso é o caso, porque foi educado dessa forma. Meu
avô tem um jeito, minha avó tem outro, mas meu pai sempre foi muito
esquentado, muito bravo... “Qualquer coisa resolvo no tapa”... E não é assim
que se resolvem as coisas, principalmente na coletividade. Assim não
sobrevive com as pessoas. Criou um grande problema, a antipatia das
pessoas... Mas vamos ver o que vai dar!...
Acredito que tem solução para tudo, desde que a gente queira
solucionar os problemas. O grande passo é o querer. A comunidade tem que
sentar e discutir as saídas. Não é o Jamil, nem o Serginho que vai indicar essa
saída. Tem que esse coletivo parar tudo e discutir quais são as saídas. O que
está dando problema para nós? Quais são os problemas?
Uma das coisas é perder o medo de se mascarar os problemas, mas
isso é algo que ainda tem na Copava. Medo de colocar os problemas para a
sociedade, medo de ser queimado no meio do povo. Tem muito isso. E esse
medo acaba influenciando toda a problemática dentro da cooperativa. A gente
tem um problema concreto, o financeiro. Mas onde está bom?! Que cooperativa
hoje está bem? Que agricultura está bem? Não tem agricultura bem, pelo
menos relacionado à classe trabalhadora, aos agricultores, não tem, está todo
mundo quebrado! Por causa do sistema capitalista. E aí está o nó, porque
quando a gente olha pequeno, não consegue enxergar grande!... Quando olha
para a cooperativa, não enxerga o todo. E é isso que acontece com meu pai.
Está olhando para as dificuldades da cooperativa, e não para a problemática de
país e de mundo. O nosso maior problema não é a cooperativa e sim o sistema
capitalista, que gera tudo isso.
É aí que está a causa maior, que é a destruição do sistema e a
construção de um novo povo, de uma nova cultura... Claro que isso não é fácil,
depende de muita luta, não só do MST. Acho que esse era um passo que meu
pai deveria ajudar a discutir, porque também tem noção disso! A cooperativa é
uma saída para os trabalhadores. Sinceramente acho! Muita gente já ficou
doente lá, e não conseguiu trabalhar, mas nem por isso passaram fome, ou
deixaram de receber, como os outros que estavam trabalhando na roça. Existe
uma forma de solidariedade entre as pessoas. O individual, não tem ninguém
para olhar por ele. Meu pai não vê esse ponto positivo, nem mesmo as
pessoas que já ficaram doentes vêem. Então é isso, são várias as
contradições, que são importantes para refletir como o homem do campo
pensa, como a gente se relaciona com esse povo, e com essa pobreza que
existe no campo. Então é complicado fazer uma reflexão da cooperativa em si.
Existem problemas, mas se ficarmos falando neles a gente vai cair
no erro de pensar que o cooperativismo não é a saída. Sei que a cooperativa
como está pensada pode ser a saída só para agora, e pode surgir outro jeito de
se organizar, porque o Movimento é assim, se movimenta a partir do
movimento. Pode surgir um outro jeito, talvez a comuna da terra, que está
sendo discutida, ou quem sabe uma outra forma ainda... Não sei...
Culpar as pessoas também acho que não é certo. Todos são
culpados, porque aceitaram as ordens de um ou de outro. Todos são sócios,
podem falar o que quiser nas reuniões de toda semana.
Nessa medida acho que existe uma diferença muito grande, uma
distância entre o que penso e o que meu pai pensa. Ele pode dizer que não
estou lá, no dia-a-dia. Não estou mesmo. Para mim é muito mais fácil olhar
essa conjuntura maior que olhar só ali. Claro que sei que não é fácil, porque já
trabalhei na roça, convivi lá. Foi daí que surgiu minha militância, do campo, do
meio da roça. Sei que não é fácil enfrentar o sol do dia-a-dia, mas meu
questionamento é se precisa sair da cooperativa, ou se isso vai resolver o
problema.
Existe uma diferença, porque para o ser humano o meio é que faz a
consciência, Marx já dizia isso. E meu pai está num meio influenciado para
enxergar o que faz. Então não consegue enxergar mais que o setor de
produção, ou de construção... Não vai ver mais que isso. Falta formação para o
povo, para conseguir enxergar maior.
Meu pai é muito sonhador, pensa em fazer projetos, de plantar
eucalipto, de ter suinocultura, de ter a lavoura dele, e um monte de coisa. Por
um lado isso é muito positivo, por outro tenho medo dele não conseguir, porque
é sozinho. São sete alqueires e ele não vai ter trator, nem nada. Não que esteja
duvidando da capacidade dele, que sei que é muito trabalhador, muito
esforçado. Mas já está com uma idade avançada, quarenta e poucos anos, e
todo esse tempo, muito antes de eu nascer, antes deles se casarem, já
trabalhava na roça. Desde os 5 anos já fazia alguma coisa. Comparando-se ao
William, que nunca nem pegou para tirar um pé de feijão, é totalmente
diferente... Já tem anos e anos do trabalho desgastante da roça. Por isso fico
me perguntando, como será, se abandonar a cooperativa.
Entre os sócios da Copava e os que resolveram trabalhar
individualmente, acho que existe uma distância, no sentido de que “eles saíram
e a gente ficou”. Não que exista uma rixa. Eles fazem compra no mercado. Eu,
pelo menos, tenho amizade com todo o pessoal, quase...
Isso... se olhar para trás e ver tudo que já passou... de tudo que
participou, como as marchas, as brigas da polícia com os sem terra, as bombas
de gás que já jogaram na gente, os jagunços atirando nos trabalhadores, tudo
isso tenho presente. A cada momento que a gente vive não pode esquecer. Eu
nunca esqueço! A cada momento bom que se vive, tem que se lembrar do
passado, para não se perder. A gente é muito viciado em só ter momentos
bons, roupas bonitas, só querer estar em um lugar bom, só querer estar no
assentamento. Esse vício ideológico a gente tem que romper. Deve sempre
estar presente os massacres que aconteceram com os trabalhadores,
Eldorado, Corumbiara... o que está acontecendo no Paraná, as ameaças, aqui
em São Paulo já aconteceu... tem que estar ciente dessas coisas para não cair
num desvio ideológico e achar que tudo é bom e esquecer de trabalhar com os
trabalhadores.
Isso é uma das coisas que garantiu o movimento até hoje, e vai
continuar garantindo... A gente está nessa luta pensando o que pode acontecer
de bom e de ruim, porque tem que estar preparado para tudo.
A minha vida melhorou muito, depois que entrei no Movimento.
Porque antes não trabalhava... Depois que entrei comecei a trabalhar na roça.
Ou melhor, onde tinha trabalho estava indo, estava nas ocupações, despejos...
Em tudo, estava lá! Mas o que mudou mesmo foi o conhecimento que ganhei, a
oportunidade de estudar – voltei para a escola, para fazer o magistério, o que
também foi uma das grandes oportunidades para minha ação junto ao
Movimento Sem Terra.
Sempre estudei nas escolinhas do bairro mesmo, e nelas fiz até a
quarta série. Depois de grande, quando entrei para o MST, fui para o Rio
Grande de Sul. No Iterra pude completar meus estudos, e fiz magistério. Na
época para ir para essa escola, lembro que as pessoas foram selecionadas, e
eu, graças a Deus, caí na seleção. Fui estudar fora e essa oportunidade mudou
minha vida. Terminei meu trabalho de monografia do curso em 1999.
Outra questão é minha vida particular que melhorou também. Foi um
pouco, “essa forma de entender um relacionamento entre as pessoas”, de
parar para ouvir os trabalhadores falarem. Não querer falar sozinha. Trabalhar
e saber o que os trabalhadores têm a contribuir. Essa forma de ajudar a
organizar as coisas é que mudou muito minha vida. A oportunidade que tive de
estar no Movimento Sem Terra e hoje as pessoas confiarem em mim. Isso é
importante! Não só para mim que estou na militância, mas para todos que
estão na luta. Acho que essa confiança ajudou muito para que eu crescesse
mais e estivesse disposta a ajudar.